Que algo mudou no processo de paquera entre homens e mulheres, isso é um tanto óbvio. Qualquer homem, por mais que não confesse, encontra alguma dificuldade na hora de se aproximar de uma mulher. A frase “não entendo o que as mulheres querem” já virou senso comum. Tanto que aquelas famosas “dicas de sedução”, assunto que apesar da subjetividade, ainda é tratado como um argumento científico aplicável, caíram por terra. As mulheres mudaram estrutural e profundamente, e isso implica na atual reviravolta na maneira com elas se relacionam.
Mas, afinal, o que mudou?
De acordo com uma pesquisa conduzida pela agência de publicidade CUBOCC para a marca Axe, existe uma tendência comportamental que rege essa mudança: MulhÉris. Éris vem do nome da deusa mitológica da discórdia, da dúvida, da incerteza posta como provação. Não é necessariamente algo ruim, pois é a realidade das mulheres contemporâneas: discordam, criticam e reinvetam os papéis que lhe foram atribuídos durante séculos de dominância do ethos masculino. Para o desenvolvimento dessa pesquisa, foram entrevistadas 882 mulheres, com idade entre 18 e 34 anos, em todas as regiões do Brasil.
Essa mudança é resultado de uma série de eventos paralelos mas simultâneos, embora tenham demorado décadas para acontecer. Desde a conquista do voto feminino, passando pela pílula anticoncepcional e a ascensão do pensamento feminista nos anos 60 e 70, a mulher foi mudando a maneira de ver e ser vista pelo mundo. E isso consequentemente afetou o campo das relações afetivas com os homens.
Dentro dessa tendência MulhÉris, podemos observar 6 perfis distintos:
Tranquilas (5% do total de mulheres) – Mais tradicionais. Ainda possuem o homem como referência principal. Tendem a valorizar a imagem clássica da mulher.
Quase Seguras (4% do total de mulheres) – Tendência à acomodação, ao tradicional, pois elas próprias não se vêem como agentes de transformações. Ainda em transformação.
Hesitantes (17% do total de mulheres) – Estabelecem uma correspondência entre mulheres e homens no que tange à acessibilidade à mudança, do novo, mas ainda não para tudo. Existe uma resistência que o tempo as ajudará a mudar.
Antenadas (22% do total de mulheres) – Percebem mudanças para homens e mulheres, mas não se sentem mais vulneráveis e inseguras frente a comportamentos “mais ousados” dos homens.
Soberanas (27% do total de mulheres) – Apresentam sintomas de independência frente ao estímulo da imagem masculina. Relacionamentos são importantes, mas não as definem. Prezam por sua carreira e desenvolvimento pessoal.
Abelhas-Rainha (29% do total de mulheres) – Figura narcísica absoluta, está no extremo do processo de individualização. Relacionamentos são satélites em suas vidas. Elas mesmas vêm em primeiro lugar.
A língua delas
A grande maioria das pesquisadas são as atuais agentes de transformação e mudança no comportamento feminino das mulheres brasileiras. E também se percebem mais abertas ao novo do que os homens. O resultado da pesquisa nos alerta que devemos olhá-las sem o viés dos antigos clichês.
-Convivência e casamento não são entendidos como profissão, até porque essas mulheres não dependem mais da figura do parceiro nos acontecimentos dos quais participa, revelando nítida separação entre as esferas íntimas e públicas.
-Esta mulher não necessita da companhia masculina para participar da vida civil, tampouco da sua condição de provedor.
-É capaz de discriminar diferentes estados de relacionamento: casamento, namoro, ficadas e amizade, e optar pelo mais conveniente para situação.
Ou seja, elas mudaram, mas não percebem que os homens também estão no mesmo patamar de transformação. Como todo processo de mudança, algumas coisas podem parecer um pouco contraditórias. Elas não querem um metrossexual, pois tendem a aceitar (visualmente) os homens do jeito que são. Também não querem conviver a imagem do homem tosco, pois gostam de ter vantagens competitivas junto com as amigas. Só pedem alguns atributos que correspondam à nova realidade em que vivem: um companheiro cavalheiro que saiba reconhecer o lugar delas no mundo, porém dotado de qualidades novas, como compreensão, respeito e segurança pessoal.
Mas as mudanças não ficam por aí. Profissionalmente, elas não param de invadir o mercado de trabalho – em seis importantes regiões metropolitanas já respondem por 43% da população economicamente ativa, de acordo com o IBGE. Elas também já são maioria nas universidades (57%, segundo o IBGE) e agora se debruçam sobre pós-graduações e MBAs. Apesar de ganharem 56% do rendimento masculino, pelos dados do MPG – ONU, elas são criativas o suficiente para conseguirem administrar orçamentos e que existem possibilidades de trabalho com melhor remuneração. Elas sabem que é possível mudar.
Mulheres também têm mais vantagens na maneira como as empresas se estruturam e no jeito que negócios são feitos. Na economia contemporânea, altamente baseada em conhecimento e criatividade, a moeda vigente é colaboração, comunicação, trabalho em equipe e democratização. Esses são valores classicamente femininos, em oposição à lógica e à sistemática masculina. Até 2015, estima-se um aumento estimado de 5 trilhões – TRILHÕES – de dólares no poder de consumo feminino globalmente. Isso corresponde mais que o dobro da soma do tamanho do crescimento dos mercados dos BRICs, Índia e China.
Há muito o que acontecer, mas abraçar as mulheres como suas principais consumidoras não é apenas justo, mas faz sentido em termos de negócios. Agora, como se relacionar com essas futuras novas titãs da economia global? Eu pontuo 5 coisas:
1. Entenda as diferenças entre os gêneros
Achar que uma estratégia que comece com Prezado(a) Fulano(a) pode resolver questões de relacionamento é um erro feio. Mulheres celebram suas contradições pessoais e seus papéis na sociedade. Logo, falar de maneira genérica a fim de reduzir esforços de marketing é um tiro na cabeça. As motivações, as reações às coisas que se apresentam, e as necessidades são diferentes. E isso é para tudo: consumo de mídia, de produtos e de serviços. É preciso uma outra linguagem, específica para elas.
2. Design é essencial
O apelo estético diz muito às mulheres. Isso não significa fazer produtos na cor rosa-claro ou pink. Mais do que isso, os objetos que as cercam têm que ajudar a moldar e definir suas identidades para si mesmas e para seus grupos. Sejam produtos tecnológicos, cosméticos ou domésticos, as mulheres entendem o valor da forma e da aparência. E também prezam por funcionalidade, acabamento, simplicidade e longevidade. Vale a pena relembrar que elas são as decisoras de compra na maioria dos lares brasileiros.
3. Curadoria no caos
Pode soar batido, mas as mulheres lidam com vidas complicadas e, principalmente, ocupadas. Remover a complexidade e o risco na hora das escolhas é transformar o caos cotidiano em paz de espírito para elas. Embora gostem de novidades – o que leva algumas marcas a criarem infintas variantes de seus produtos – isso nem sempre pode agregar valor para as mulheres. O maior valor pode ser o de ajudá-las a aliviarem o fardo dos papéis que escolheram. Observe bem: escolheram!
4. O valor da sutileza
Mulheres têm uma habilidade incrível para ler, ao mesmo tempo, o subtexto e o todo de uma mensagem publicitária num relance. Elas são analistas semióticas por natureza e absolutamente nada escapa ao olhar delas. Seria bem interessante para uma marca levar em consideração o infalível radar feminino quando comunicar algo. Elas sabem perceber rapidamente inconsistências ou contradições no que é dito ou feito por uma marca. Não apenas fale, mas seja o que é dito.
5. Dividir para receber
Mais do que simplesmente falar um discurso inócuo, construir relacionamentos dividindo expectativas é muito interessante. Escutar o que as mulheres acreditam, querem e precisam, e então demonstrar que você tem a mesma percepção de mundo é uma maneira de conquistá-las com mais eficiência. A campanha Real Beleza de Dove é o melhor exemplo disso. Além de resolver a tensão da cruel ditadura estética contemporânea, deu subsídios e força para as mulheres valorizarem sua singularidade.
Para finalizar, acho que o mundo do marketing tem muito a se beneficiar de uma abordagem mais feminina. Longe de ser o resultado de uma ultrapassada guerra dos sexos, esse século é definitivamente feminino. Todas as questões que nos cercam – sustentabilidade, meio-ambiente e ecologia – têm as mulheres como catalisadoras, pois são elas quem estão exigindo primeiro produtos e experiências que sejam honestos, autênticos e éticos. O valor de estabelecer visão mais feminina sobre o mundo será a maior humanização nas coisas que nos cercam. Menos foco no lado esquerdo e maior atenção ao lado direito dos nossos cérebros.
Vamos lá: Fale com elas! Todos só têm a ganhar.